Coros e Canto Litúrgico
Por Júlio Amstalden
Houve um tempo em que a liturgia católica desenrolava-se sem a participação da assembléia: o padre celebrava de costas para todos e em latim; as respostas, também em latim, eram dadas pelos coroinhas; a música era toda feita pelo coro. A assembléia em geral não conhecia latim e ficava, então, entretida em suas próprias devoções ou distrações. Não se podia dizer que eram "participantes", mas sim "assistentes". Daí o uso generalizado de uma expressão, recorrente popularmente até hoje: "assistir à missa".
O ritual descrito acima é conhecido como "rito tridentino", pois seguia as orientações do Concílio de Trento, ocorrido no século XVI. Totalmente anacrônico ante as necessidades espirituais e pastorais do século XX, esse modelo foi reformado pelo Concílio Ecumênico Vaticano II (1962-1965) através da constituição Sacrossanctum Concilium, a primeira promulgada, em 1963. Entre muitas orientações, previa ela a substituição do latim pelo vernáculo, a língua própria de cada país onde se celebra, bem como a inserção da assembléia no rito, estimulando a sua participação através das orações e da música. Previa-se que as manifestações musicais seguissem a cultura autóctone de cada nação, sem, no entanto abandonar a secular tradição católica. As reformas litúrgicas conciliares foram o ápice de um processo iniciado em fins do século XVIII e desenvolvido em todo o XIX, conhecido por "Movimento Litúrgico". Tal movimento iniciou-se nas abadias beneditinas de Solesmes (França), Beuron e Maria Laach (Alemanha), ganhando força e adeptos em toda Europa. No Brasil, foram os beneditinos que introduziram as ideias do Movimento Litúrgico, através do Mosteiro de S. Bento do Rio de Janeiro, nas primeiras décadas do século XX. Assim, todas as reformas estavam potencialmente maduras quando do início do Concílio em 1962.
As implementações das mudanças aconteceram ao longo da década de 1960 e as assembléias passaram a ter uma real participação nas celebrações. No Brasil, este processo ganhou contornos peculiares no terreno musical. Havia o desejo de se promover um diálogo entre a música brasileira "de raiz" e a música tradicional católica, europeia por natureza. A falta de compositores, a educação musical incipiente no país e a grande influência dos meios de comunicação de massa fizeram que a música litúrgica brasileira se tornasse algo muito semelhante à música da mídia, à música de consumo, afastando-se tanto da música brasileira de raiz quanto da tradição católica.
Os exageros foram tantos que a CNBB passou a olhar com atenção para o caso. Iniciativas foram tomadas no sentido de se melhorar a qualidade e o conteúdo das expressões musicais, bem como no sentido de se promover educação musical para as comunidades católicas. Embora previstas já na década de 1960, a primeira escola brasileira de música litúrgica surgiu em Campinas, em 2007. Trata-se do Curso de Extensão em Música e Liturgia da Arquidiocese de Campinas - CEMULC, iniciativa do então Arcebispo D. Bruno Gamberini (1950-2011).
Foi dentro desse contexto que os coros começaram a voltar ao cenário litúrgico brasileiro, ainda que timidamente.
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