Experiências de um organista entre o Brasil e Europa - I
Por Humberto S. Salvagnin - Suíça
É um tanto complexo fazer comparações
entre esses dois continentes completamente diferentes no que concerne o instrumento
órgão, mesmo que o instrumento também faça parte da cultura brasileira desde o
descobrimento! Então, gostaria de deixar claro que muito do que escrevo aqui é
pessoal e são pensamentos muito condensados de uma existência de 16 anos
passados no Brasil e 18 na Suíça, como músico. De forma nenhuma gostaria de
parecer antipático ou pretencioso.
Outro ponto interessante é ressaltar que
mesmo aqui na Europa existem diferenças entre os países no concernente à
seriedade dada à arte e o trabalho do organista. Certos países como Suíça,
Alemanha, Holanda e países do norte europeu em geral dão muito incentivo ao
instrumento e à profissão do organista. Já em outros, podemos encontrar certos
problemas parecidos com os do Brasil. Existem também grandes diferenças de nível
cultural, educacional e desenvolvimento entre os países europeus e finalmente
entre a Europa e o Brasil. Mas isso daria uma outra discussão que não caberia
no momento.
Na época em que vivia no Brasil, somente
duas igrejas em São Paulo, que possuíam órgãos eletrônicos, pagavam
devidamente seus organistas com carteira assinada nas conformidades das leis. E
eram igrejas protestantes. Não sei se a coisa evoluiu muito ou pouco nesse
sentido, mas faltava uma consciência de trabalho não somente por parte dos
religiosos, mas também por parte dos próprios músicos organistas. Muitas
igrejas confiavam seus instrumentos a músicos de toda sorte, que na maioria não
eram organistas, mas pessoas mais ou menos dedicadas que tocavam de graça. Este
tipo de comportamento criou uma «desmotivação» por parte dos músicos organistas
e não se produziu uma geração de organistas profissionais para uma futura
continuidade da profissão. Por que as pessoas iriam estudar um instrumento que não
oferece um reconhecimento profissional?
Outro problema também concernente à Igreja, na Europa como no Brasil, é a tentativa de se substituir o verdadeiro órgão não
somente por «aparelhos eletrônicos», mas também por instrumentos de toda sorte,
com músicos mais ou menos qualificados ou o surgimento de inúmeros grupos os mais
inusitados, cuja presença em uma igreja é muito discutível, com a desculpa de se
«fazer mais jovem» ou «atrair» fiéis que desertam por outros motivos que
não a música em primeiro lugar, causando assim não somente um problema de
empobrecimento cultural, mas também a aparição de movimentos extremistas os
mais bizarros, carregados de beatice inútil e perniciosa, o que não vai levar à melhora do nível cultural das igrejas no tocante à música. Nesse ponto
também existe muito a se fazer por parte dos religiosos, mas que se torna cada
vez mais difícil com a falta de cultura geral crescente na sociedade e nos
seminários. Outro ponto bastante complexo a ser melhor discutido outra vez.
Quando disse que também faltava uma
consciência por parte dos organistas, quis dizer que faltava um senso de
profissionalismo entre os colegas organistas. As pessoas estavam muito
preocupadas com a auto-estima e auto-propaganda enquanto que os instrumentos
estavam se deteriorando e a situação da música de órgão no País em geral estava
muito precária. A falta de visão no futuro gerou muitos problemas que estamos
«colhendo» atualmente. Na Europa, mesmo que se tenham divergências entre os
diversos grupos de organistas, quando se tem um problema existe uma certa união
dos colegas para se resolver esses «problemas» junto às diversas autoridades
competentes (conselhos de paróquias, municipalidade, etc). Claro que existem
críticas, e quando são construtivas são muito importantes, mas elas nunca são
exageradas e não portam prejuízos pessoais. Quando um ponto de vista é
aceitável, as pessoas levam em
consideração. Todos desenvolvem da melhor forma seu trabalho. Tem-se
muito menos tempo de se falar mal do outro porque as pessoas estão levando a
sério não somente seu trabalho de estudo do instrumento ou aulas, mas também porque estão ocupadas com a criação de inúmeros projetos. O senso profissional e de coleguismo é
muito grande.
(Continua)
(Órgão da Catedral de Regensburg - Alemanha)
Comentários
Postar um comentário