Experiências de um organista entre o Brasil e Europa. - II (Conclusão)

Humberto S. Salvagnin

A realidade no tocante aos instrumentos:
 O Brasil, como outros países da América Latina, tem um passado glorioso em termos culturais. Mas infelizmente o brasileiro ainda não se deu conta desse valor ou não dá o valor devido para sua História. Muito foi destruído em nome de um suposto «progresso»,  que é constantemente reciclado e dificilmente recuperado para se constituir uma História. Aqui também houve muita destruição, não somente por guerras, mas também por questões de gosto de época e mesmo, como no Brasil, de modificações inescrupulosas que destruíram um certo patrimônio, muito disso por falta de cultura e de seriedade em todos os níveis da sociedade. Porém, há alguns meses assisti, via internet, uma série de reportagens muito bem feitas, em forma de curtos documentários para a TV, sobre restaurações de instrumentos históricos em Minas Gerais. Um grande bravo pela qualidade dessas reportagens e pelo trabalho das pessoas envolvidas seriamente nesses diversos projetos. Também conheci pessoalmente alguns trabalhos de construções e restaurações de instrumentos mais recentes, algumas delas muito bem feitas por excelentes profissionais. No brasil existem bons profissionais que trabalham com muita seriedade.

Como disse no início, o instrumento órgão e a profissão de organista em certos países mais desenvolvidos da Europa são levados muito à sério. Existe uma profissão como organista de paróquias (católicas ou protestantes) ou de salas de concerto  e essa profissão é remunerada de forma legal, como uma outra profissão qualquer. Deve-se entender que o organista é um músico à parte, pois dispõe de um instrumento muito caro que não pertence à ele, mas sim à coletividade. Isso é um ponto muito importante. Aqui na Europa, as igrejas têm de forma geral uma comissão de paróquia que é responsável pelo bom andamento no tocante ao imóvel da igreja e tudo o que pertence à mesma, o padre ou pastor tem uma função religiosa. Os «patrões» não são o padre  ou o pastor, mas sim essa comissão que organiza concursos para o posto de organista, define (com o padre ou pastor) o trabalho do organista etc. e por fim, paga de forma legal (em carteira) os empregados da paróquia, entre eles, o organista.

O cargo de organista é muito importante nas igrejas, pois é o organista que é responsável não somente no tocante ao seu trabalho para preparar e atuar nas diversas funções religiosas como músico solista ou acompanhante de outros instrumentos, corais, cantores  etc., mas também é ele o responsável pelo órgão, ou seja, se existe um problema, cabe à ele chamar os técnicos competentes ou alertar a comissão de paróquia. E um instrumento sem um profissional competente se deteriora e a igreja perde seu patrimônio. É o organista também quem define quem pode tocar no instrumento. Por fim, esse organista pode ter a liberdade de organizar eventos culturais como concertos, master-classes, etc. além de dispor de «seu» instrumento para ministrar aulas.

No caso de salas de concertos, a coisa é um pouco diferente. O organista responsável pelo instrumento, não é necessariamente aquele que toca todos os concertos que porventura usariam o órgão, mas sim um profissional pago pelos setores públicos ou privados. Nessa função, ele pode dispor do instrumento para estudo próprio, mas também organiza os horários de trabalho entre os mais diversos corpos da sala de concertos (orquestras, coros, corpo de balé, etc) e os organistas convidados que tocam com orquestras e outras formações, bem como em concertos solo. Como o organista de paróquia, ele é responsável também pelo bom funcionamento do instrumento.

Para finalizar esse curto pensamento, gostaria de poder dar uma modesta opinião para resumir um pouco essas comparações. O que falta no Brasil, antes de se ter bons instrumentos, seria a criação da profissão de organista. Nenhum instrumento, por melhor que seja, continua a existir se não por meio de profissionais competentes e dedicados a esse instrumento e à profissão. De nada adianta ter instrumentos recém restaurados com cinco manuais, três consolas e toda parafernália «bling-bling» de gostos os mais diversos, se não existir um verdadeiro profissional remunerado adequadamente para manter esse instrumento, assim como o bom nível musical de uma igreja. Para isso acontecer, seria necessário haver uma melhor relação entre os organistas e também um maior empenho no respeito a estudo e dedicação por parte desses. Enquanto nós não nos unirmos para o bem comum e continuarmos a agir por si e para si, a situação não vai evoluir no bom senso.  Sempre irão existir problemas e visões completamente diversas, mas o mais importante é se trabalhar junto e tentar passar para as futuras gerações o fruto das boas ações que forem realizadas atualmente.

Órgão da Igreja de Santa Teresa, Genebra, Suíça, onde Humberto Salvagnin é o organista titular

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